quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Trabalhadores vão ao Senado e às ruas para defender estatais

Protestos serão nos próximos dias 2 e 3 de fevereiro

Grande parte do Congresso Nacional vem tentando, a todo custo, mudar o modelo de Estado implementado desde 2003, que rompeu com a ideia de Estado mínimo e valorização da iniciativa privada, adotada por Fernando Henrique Cardoso. Um dos exemplos mais claros dessa tentativa é o PLS 555/2015, que tem grande chance de ser votado pelo Plenário do Senado logo após o retorno do recesso parlamentar, no dia 2 de fevereiro. Para barrar a proposta, que pretende diminuir a atuação do governo federal sobre as estatais e abrir o capital para empresas privadas, a CUT e outras centrais sindicais, com trabalhadores de diversos setores, realizarão o Dia Nacional de Luta em Defesa das Empresas Públicas, agendado para 3 de fevereiro. A ação foi deliberada no Seminário sobre o PLS 555, nesta quarta-feira (27), em Brasília.

A preparação para o Dia Nacional de Luta em Defesa das Empresas Públicas começará no dia 2, quando será realizada ação no Anexo II do Senado Federal, a partir das 14h. Trabalhadores de estatais de vários estados virão a Brasília para realizar trabalho de convencimento dos senadores. Já no dia 3, a ação será descentralizada: os protestos em defesa das estatais e contra o PLS 555 serão realizados na capital federal e nos estados.

Durante o seminário, também foi encaminhada a criação de comitês estaduais de mobilização e defesa das empresas estatais. O objetivo é massificar o Dia Nacional de Luta e esclarecer a sociedade sobre os riscos que o PLS 555 traz à sociedade. Até agora, este trabalho era feito pelo Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, composto pela CUT, sindicatos e outras centrais sindicais.

“Também precisamos pressionar o governo federal para que ele diga claramente qual é sua posição quanto ao PLS 555. Este é um projeto danoso, que traz prejuízos inestimáveis à população brasileira, não só em nível federal, como também estadual e municipal”, destacou o dirigente nacional da CUT, Ari Aloraldo do Nascimento. A tarefa também será um desafio do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas.

Meta escusa
De iniciativa do Senado Federal, o PLS 555 foi aprovado a toque de caixa nas comissões da Casa por ser um dos principais pontos da Agenda Brasil, defendida a ferro e fogo pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

O texto, denso e de difícil compreensão, já recebeu mais de cem emendas. De acordo com o especialista em políticas públicas e gestão governamental, Luiz Alberto, palestrante do seminário realizado nesta quarta-feira, isso é “uma demonstração da complexidade e da falta de consenso sobre a matéria”. Entretanto, segundo ele, isso não diminui as chances de aprovação do projeto e, muito menos, exclui a essencialidade da atuação do movimento sindical para barrar o PLS que representa um golpe à riqueza e ao patrimônio nacional.

Durante o seminário, o diretor do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais – Dest do Ministério do Planejamento, Murilo Barella, destacou que o grande objetivo do PLS 555/2015 é a redução da capacidade do controle do Estado sobre as estatais. Para ele, isso gera uma série de transtornos à sociedade, principalmente à parcela de baixa renda. “Sem uma estatal de fato gerida pelo Estado, não há Luz para Todos, não há Pronaf, não há programa social. Recentemente, se não tivéssemos bancos públicos com oferta de crédito, teríamos quebrado com a crise. Agora, com o problema do mosquito Aedes Aegypti, os Correios estão fazendo um trabalho essencial de informação, levando orientação para todos os lares. Como se faz isso tudo sem uma estatal”, reflete.

Apesar da ágil tramitação no Senado Federal, o texto do PLS 555 apresenta um embate jurídico grave que, se levado em consideração, pode anular o conteúdo do projeto ou pelo menos a maior parte dele. Entre os principais problemas do PLS, o especialista em políticas públicas e gestão governamental, Luiz Alberto, destaca:

· Vício de iniciativa: a matéria deveria ter sido proposta pelo Poder Executivo, mas nasceu do Poder Legislativo;

· Abrangência geral e excesso de detalhamento;

· Invasão das prerrogativas do Chefe do Executivo;

· Definições superficiais da função social;

· Limitação excessiva quanto aos tipos societários;

· Limitação na composição dos órgãos societários;

· Obrigatoriedade de S.A. com ações ordinárias apenas. Possibilidade de abertura de capital facilitada, com impactos de privatização;

· Empresas públicas com capital fechado; incompatibilidade com atividade econômica;

· Impedimento à participação de dirigente sindical no conselho de administração e diretoria das estatais;

· Transição onerosa. Custos estimados entre R$ 45 e R$ 132 bilhões.

Unificação das forças
A atuação conjunta de todas as organizações que lutam por um Brasil que preza pelo crescimento econômico aliado à ascensão social foi pedido unânime durante o Seminário sobre o PLS 555, realizado nesta quarta-feira (27).

Para somar esforços e embarreirar de uma vez por todas o projeto que entrega ao capital privado as empresas do Estado brasileiro, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) informou que articulará a criação de uma Frente Parlamentar em defesa das empresas 100% públicas, além da realização de audiências públicas.

“Precisamos das empresas estatais para dar andamento ao projeto de crescimento econômico. Temos que fazer o luto do neoliberalismo que provocou tanta dor e tanta precarização do Estado”, disse Kokay.

Para motivar a luta unitária das forças combativas do Brasil, João Antônio de Moraes, dirigente da Federação Única dos Petroleiros – FUP, lembrou que “em nenhum momento da história, a iniciativa privada protagonizou avanços aos mais pobres”, e o mesmo aconteceria com a privatização das estatais.

Ações anteriores
Na corrida contra o tempo para barrar o PLS 555, o Comitê em Defesa das Empresas Públicas vem se movimentando desde o ano passado.

O primeiro passo do grupo foi atuar para retirar o caráter de urgência do projeto. Como não foi possível, a estratégia consistiu em trabalhar para adiar a votação do texto. Com isso, já foram realizados seminário e debate sobre o tema no Senado; formuladas de emendas ao PLS através do senador Paulo Paim (PT-RS) e da senadora Vanessa Graziotin (PCdoB –SC); além do trabalho corpo a corpo feito com senadores e ministros.

De acordo com a representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa, Maria Rita Serrano, as ações apresentam resultados positivos, mas é essencial aumentar a atuação sindical. “Devido à pressão dos trabalhadores, o Ministério do Planejamento já se manifestou apresentando uma posição firme contra o PLS 555. Mas isso não é suficiente, a gente tem que solidificar ainda mais o movimento e ampliar a luta”, afirma.

Tramitação e agravamentos
Se aprovado pelo Plenário do Senado, o PLS 555/2015 seguirá para análise da Câmara dos Deputados. Caso seja emendado nesta Casa, volta ao Senado, onde terá parecer.

Algumas questões conjunturais criam falso clima para aprovação do projeto. O coro da mídia quanto à crise econômica abre alas para um contexto pró-privatização. Além disso, escândalos envolvendo estatais, como a Operação Lava Jato, são aliadas ao PLS 555/2015.
Mais informações
Hotsite da campanha contra o PLS 555/2015: www.diganaoaopl555.com.br

Nas redes sociais usar a hashtag #NãoaoPLS555

Augusto Vasconcelos alerta para os perigos contidos no famigerado PLS 555



Uma nova ameaça ronda os direitos dos trabalhadores e o patrimônio público. Agora o perigo em questão responde pelo nome de Projeto de Lei do Senado 555, batizado de Estatuto das Estatais.

Sob o pretexto de regulamentar todas as estatais brasileiras, a proposta na verdade facilita a privatização das empresas, desvinculando-as do seu papel público. O PLS segue em regime de urgência no Senado, sob risco de ser aprovado sem discussão prévia com a sociedade.

Para combater a medida e construir propostas para barrar a aprovação do projeto, trabalhadores promoveram, na última quarta-feira (27), um Seminário para debater o tema. O objetivo principal do encontro foi elaborar um plano de ação contra o projeto.

Em entrevista concedida ao portal CTB, o presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Augusto Vasconcelos, falou sobre o projeto e seus riscos contidos.

O dirigente alerta que o PLS em questão estabelece um estatuto padrão para todas as empresas públicas, e não leva em consideração o fato de que as gestões e estruturas dessas estatais são distintas. 

“O PLS 555 prevê, dentre outros absurdos, a obrigatoriedade da abertura de capital das empresas públicas que passariam a ser obrigadas a no mínimo venderem 25% de ações no mercado. Significa, por exemplo, a abertura de capital da Caixa e do BNDES”, completa o dirigente.

Confira na íntegra a entrevista:

Quais as ameaças contidas no PLS 555 para os trabalhadores e para a Nação?

Estamos diante de grave ameaça ao papel estratégico das estatais. O PLS 555 prevê, dentre outros absurdos, a obrigatoriedade da abertura de capital das empresas públicas que passariam a ser obrigadas a no mínimo venderem 25% de ações no mercado. Significa, por exemplo, a abertura de capital da Caixa e do BNDES.

Podemos dizer que sua aprovação visa enfraquece o caráter público das instituições?

A proposta original dos senadores Aécio Neves e Tasso Jereissati (PSDB) é de que as sociedades de economia mista somente possam vender ações ordinárias, ou seja, aquelas que possuem direito de voto, ampliando a influência privada nestas corporações, diferente das Ações Preferenciais onde os acionistas não possuem essa prerrogativa.  Sabemos que o interesse privado é voltado para o lucro, e, claro, à medida em que aumenta o poder do mercado, programas sociais podem ficar ameaçados nestas empresas, visto que não trazem rentabilidade. Isso enfraquece o caráter público dessas instituições.

E a quem pode interessar essa desvinculação do papel público?

Defendemos uma regulamentação das Estatais, mas no sentido oposto, visando fortalecer a sua atuação com políticas anticíclicas que ajudem o país a diminuir os impactos da crise, promovendo desenvolvimento e mais distribuição de renda. Imagine uma empresa de saneamento, por exemplo, apenas atuando sob regras do mercado. Dificilmente, atuaria com ênfase em regiões com menor potencial de lucro como o semiárido.

Em sua opinião a medida é inconstitucional?

Outro ponto controverso contido na proposta, refere-se à proibição de participação de pessoas ligadas a sindicatos e partidos políticos ocuparem espaços na direção das estatais. Além de ser inconstitucional tal medida, pois caracteriza patrulhamento ideológico e violação à liberdade de expressão, passa a falsa ideia de que os problemas seriam resolvidos com soluções técnicas apenas. Trata-se de visão deturpada. As decisões nas estatais além de elementos técnicos, são baseadas em prioridades e os governos que foram eleitos, devem sim atuar para que o programa sufragado nas urnas seja implementado.

Quais categorias seriam prejudicadas primeiro?

A proposição coloca em risco empresas como a Caixa, Correios, Banco do Brasil, BNDES, Petrobrás, além de companhias do setor elétrico, estaduais e municipais. Tentam nos fazer crer que o Estado é problemático por excelência e que o mercado seria um espaço puritano. Em empresas que atuam no mercado, como Volkswagen e HSBC, há escândalos de corrupção. Querem criminalizar a atividade daqueles que se organizam coletivamente.

Preocupadas com o famigerado projeto, entidades promoveram um seminário para debate o tema. Quais as medidas propostas para barrar esse projeto?

No seminário que realizamos essa semana em Brasília definimos ampliar os esforços de todas as categorias para barrar esse projeto que não serve aos interesses da maioria da sociedade. Vão tentar aprovar o projeto a toque de caixa, sem consulta e debate com os trabalhadores e isso é inaceitável.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Neurociência é aliada na preparação do professor para a sala de aula

Especialistas defendem que os futuros profissionais de educação conheçam o funcionamento do cérebro para melhorar suas práticas e lidar com potencialidades e dificuldades dos alunos
por Marina Lopes  14 de janeiro de 2016



S Este conteúdo faz parte da Série Formação de Professores

Falta de atenção, dificuldade para aprender e desmotivação são algumas situações frequentes que os professores se deparam quando estão na sala de aula. Se o desafio já costuma ser grande para educadores com anos de experiência, imagina para quem acabou de sair de um curso de pedagogia ou das demais licenciaturas. Como preparar os futuros educadores para lidar com esses desafios? A neurociência é um caminho.

Para a professora Leonor Guerra, do departamento de morfologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), compreender melhor o funcionamento do processo de aprendizagem ajuda avaliar estratégias pedagógicas que impactam na forma como os alunos aprendem. “Por que todo mundo não aprende igual? Isso tem a ver com a nossa biologia. Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação”, explica a médica e especialista em neuropsicologia.

Não é difícil encontrar cursos de formação continuada que já começaram a trabalhar noções de neurociência com educadores. No entanto, quando o assunto é formação inicial, esse campo de conhecimento ainda parece estar muito distante de boa parte das instituições de ensino superior. Segundo Guerra, muitos cursos ainda são resistentes a discutir as bases neurobiológicas. “A impressão que tenho é que eles acham que isso vai biologizar a questão da aprendizagem”, diz.

A neurocientista afirma que é importante compreender diferentes perspectivas sobre o processo de aprendizagem, sejam elas biológicas ou sociais. Na coordenação do projeto NeuroEduca, iniciativa de extensão da UFMG, ela ministra palestras e oficinas de formação que apresentam noções básicas de neurociência para educadores.

"Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação"

Embora o projeto tenha atuação principal na formação continuada, Guerra afirma já ter realizado atividades com os alunos de cursos de pedagogia. De acordo com ela, a matriz curricular de muitos cursos ainda não inclui esse tópico de forma sistematizada. “Se para a educação continuada está sendo importante, por que não inserimos na formação inicial do educador?”, questiona, ao mencionar que neste período o aluno da graduação pode construir suas concepções de aprendizagem e estabelecer relações entre conhecimentos da neurociência com a leitura de teóricos da educação.

Em São Paulo, o programa Cuca Legal também tem investido em trazer esses conhecimentos para a realidade de educadores. Coordenado pela neuropsicóloga Adriana Fóz, o projeto é composto por uma equipe interdisciplinar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que promove cursos, estratégias e programas educacionais que desenvolvem atividades sobre o funcionamento do cérebro e o desenvolvimento socioemocional dos alunos.

Para a neuropsicóloga, a neurociência pode ser uma grande aliada para o trabalho do professor, principalmente quando ele tem contato com esse conhecimento desde o período da sua formação. “O professor ter o conhecimento e o aval dessa ciência vai nortear bastante o trabalho dele. Vai ser interessante porque vai poder corroborar com aquilo que ele já sabe por intuição ou experiência”, afirma Foz. Durante as formações de educação emocional, por exemplo, os educadores são estimulados a perceber importância que as emoções exercem sobre o processo educacional, principalmente a emoção transmitida pelo próprio educador. “Quando eles nos perguntam de onde vem a emoção, começamos a introduzir as questões da neurociência.”

Da universidade para a escola

Na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), em Minas Gerais, uma experiência que envolve conhecimentos de neurociência tem aproximado alunos da graduação de escolas de educação básica da região. A partir de estudos sobre o funcionamento do cérebro e o processo de aprendizagem, universitários visitam escolas vizinhas para fazer o acompanhamento de crianças com deficiência.

Após fazerem observações sobre o desenvolvimento e a participação dos estudantes, eles levam as anotações para discutir na universidade. Com base em pesquisas, conhecimentos da neurociência e estudos sobre os casos, os futuros educadores propõem intervenções que o professor da educação básica poderia colocar em prática para auxiliar o seu aluno, como perceber quais são as maiores dificuldades da criança e valorizar atividades que estimulam os seus principais potenciais.

"Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira"

“Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira. A neurociência traz a possiblidade de entender como o cérebro reage na interação com o ambiente. Para nós, que trabalhamos com aprendizagem, isso faz toda a diferença”, conta o professor Marco Antonio Melo Franco, idealizador e coordenador do projeto.

O projeto, que hoje está inserido na modalidade de extensão, começou a ser desenvolvido em 2012. Segundo Franco, a experiência já tem apresentado bons resultados, que incluem maior aproximação dos universitários com a realidade da sala de aula e mudanças de postura dos professores da educação básica. “No momento em que eles entendem como a criança está pensando e quais são os processos que ela desenvolve enquanto se relaciona com os conhecimentos escolares, ele pode reelaborar metodologias para lidar melhor com esses alunos”, exemplifica.

De acordo com o professor, a UFOP tem passado por período de reforma no seu currículo de pedagogia. A proposta é que a nova matriz trate da aprendizagem como um elemento central. Além disso, também existe a possibilidade de incorporar uma disciplina eletiva de neurociência e educação. “Estão surgindo novas possiblidades de atuação pedagógica que levam em conta o funcionamento do cérebro, mas eu acho que nós ainda temos um longo caminho para percorrer no diálogo entre a neurociência e educação.”

A Base e o essencial

Em artigo, pesquisadoras convidam sociedade a refletir sobre o que deve ser trabalhado nas escolas para construir o futuro do país
por Leticia Guimarães Lyle / Tonia Casarin  15 de janeiro de 2016


Fora do mundo da educação poucas pessoas sabiam a importância da consulta pública que se iniciou no dia 16 de Setembro de 2015. A sociedade civil teria três meses para discutir, sugerir e apresentar comentários sobre o documento da Base Nacional Comum – um currículo para todo o ensino básico do Brasil. No entanto, tamanha foi a procura e a participação do público que a consulta foi estendida até dia 16 de março de 2016. Mas, por que tanto interesse?

Esse currículo, realizado a muitas e mestras mãos, tem como objetivo delinear o que é essencial para uma criança brasileira aprender na escola. Com algumas diretivas amplas, e outras específicas, um documento como esse não pretende limitar o que escolas ensinam, mas garantir que todos os alunos aprendam o necessário para ter sucesso na escola e em suas vidas. Foram consultados grandes nomes da educação no Brasil, observados conteúdos e formatos de outras iniciativas, modelos de Estados e Municípios, em um esforço de anos e muita discussão. O foco do debate são as definições do que é essencial na formação de uma criança brasileira.

Imagine essa discussão sob a seguinte ótica: há duas maneiras dialógicas de encarar um currículo; uma é pelo presente, outra é por uma visão de futuro. Quando se desenha um currículo para o presente, pensa-se nas grandes questões que não conseguimos até agora plenamente dominar e trabalhar – por exemplo, a alfabetização até a idade certa, ou questões de aprendizagem de matemática. São eleitos conteúdos sobre o que especificamente devemos saber (ex: por que e como ocorreu a Inconfidência Mineira), e as competências que devem decorrer desse aprendizado (ex: como identificar a importância de movimentos populares). Essa é uma discussão de currículo que permite, no âmbito dos conteúdos, que tenhamos métricas específicas, planos estruturados e um caminho a seguir.

No entanto, quando desenhamos um currículo para o futuro, essa lógica entre conteúdo e competência fica mais complexa. As perguntas passam a ser: o que será essencial daqui a 12 anos quando essa criança sair da escola para ingressar na faculdade? E daqui a 16 anos no mercado de trabalho? O que ela deverá conhecer e saber quando, em diversos momentos de sua vida adulta, confrontar sua realidade com suas expectativas? A necessidade de reflexão e estudo sobre tendências e influências passa a ser tão importante quanto os conteúdos essenciais para o presente – a discussão passa a ser: quais as ferramentas que a escola precisará oferecer para essa criança viver no futuro?

Não precisamos ir muito longe para imaginar a desesperadora velocidade da tecnologia nas nossas vidas: 17 anos atrás o Google era uma pequena empresa em um garagem na Califórnia, não tínhamos smartphones, nem Facebook, muito menos WhatsApp. Até 2030 estima-se que 40% dos empregos que existem hoje serão realizados por máquinas, ou deixarão de existir (Genesis Report, CBRE , 2014). Os conteúdos que vemos como relevantes já estão a um clique de distância, o mundo não é separado por fronteiras geográficas rígidas, você vive, colabora, interage e compete com todo ele.

"O modelo de educação focado em conteúdos desarticulados, distantes dos indivíduos e de suas capacidades não só pode, como legalmente deve se transformar."

Há alguns meses, a Harvard Business Review publicou um artigo com uma premissa provocadora: em um mundo cada vez mais tecnológico, as habilidades sociais e emocionais são cada vez mais importantes. O artigo diz que no modelo de mundo que já é presente e cada vez mais se aproxima, saber se relacionar, se comunicar, trabalhar cooperativamente e se adaptar a circunstâncias diversas pode ser o diferencial entre você e o outro candidato a um emprego, e não necessariamente sua capacidade de fazer cálculos mentais. Ele aponta que bons robôs são excelentes em realizar tarefas específicas, as que foram programados para realizar, mas por esse mesmo motivo não são flexíveis – e essa é a vantagem dos seres humanos no mercado de trabalho: ser capaz de estabelecer relações em diferentes contextos.

As competências para esse novo mundo encontram vários nomes em movimentos atuais: competências para o século 21, competências socioemocionais, não-cognitivas etc. Independente de pequenas variações entre o que se considera mais importante, essas competências foram definidas com base em linhas de estudo que há anos juntam educação, psicologia, neurociência, economia e outras ciências em torno de soluções, preparando crianças e jovens para suas vidas que já começam no novo milênio. Na discussão da Base Nacional Comum, a resposta dada por esses pesquisadores, organizações e empreendedores à pergunta sobre qual será o mundo dessas crianças brasileiras no futuro é, retumbantemente, um mundo tecnológico, inovador, no qual a capacidade de ser flexível, autônomo e responsável com o mundo onde vive são essenciais.

Nossa Constituição Federal (1988), em seu artigo 205, e a LDB (1996), em seu artigo 2o já apontam como papel fundamental da educação brasileira o pleno desenvolvimento do educando. Esses documentos sob os quais a Base Nacional Comum é construída, indicam uma atemporalidade necessária ao campo da educação; eles permitem e incentivam que, assim como a sociedade se transforma, a educação e seus indivíduos, se transformem também. O modelo de educação focado em conteúdos desarticulados, distantes dos indivíduos e de suas capacidades não só pode, como legalmente deve se transformar.

Em junho de 2016 esse novo documento, um marco legal e obrigatório para o ensino de todas as crianças brasileiras será colocado em prática. O convite é para que todos os brasileiros que pensam no futuro conheçam e participem do debate sobre o que é essencial para nosso país. Certamente é mais claro planejarmos para o que já sabemos que é essencial e deve ser trabalhado nas escolas. Mas fica o desafio: como planejamos para o mundo que está por vir?

* Letícia e Tonia coordenam projetos pedagógicos na Mindset Education, empresa especializada em implementação de projetos e construção de currículo socioemocional. 

Professor é fator decisivo contra a evasão escolar

Pesquisa mostra que alunos valorizam docente que saiba estabelecer diálogo, além de dominar a disciplina
por Vinícius de Oliveira  15 de janeiro de 2016



























Ter um professor que saiba criar uma relação pessoal e de respeito, além de demonstrar domínio do conteúdo é uma das razões importantes para reter os alunos no espaço escolar. Esse é um dos destaques da pesquisa “Juventudes na escola sentidos e buscas: Por que frequentam?” feita pelo MEC (Ministério da Educação), OEI (Organização dos Estados Interamericanos) e Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais). No trabalho, a análise da escola foi feita por meio dos jovens, que avaliaram se suas expectativas de vida podem ser atendidas dentro do ambiente escolar.

O levantamento envolveu entrevistas com 8.283 alunos, com idade entre 15 e 29 anos, de ensino médio, EJA (Educação de Jovens e Adultos) e Projovem Urbano do Pará (Belém e Ananindeua), Bahia (Salvador e Feira de Santana), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro e Volta Redonda), Paraná (Curitiba e Ponta Grossa) e Mato Grosso (Cuiabá e Rondonópolis). Para dar conta do processo, ainda foram criados grupos focais para aprofundar alguns temas como a importância das relações interpessoais na escola, racismo e a conjuntura do país.

Leia mais: Especial Socioemocionais

“Os estudantes dizem que ficam na escola quando têm um bom professor. E um bom professor para eles é aquele que sabe a matéria e sabe conviver, respeitar o aluno e cuidar a individualidade”, diz a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora da pesquisa. De acordo com ela, é o professor que faz com que o aluno goste de uma determinada matéria e esse argumento pode ser justificado pela grande variação entre as disciplinas que os alunos demonstravam maior interesse.

Esse destaque saído das entrevistas, segundo Abramovay, pode ajudar a explicar os motivos que levam um aluno a deixar os estudos de lado. “Eles abandonam a escola quando não têm nenhum professor que possa escutá-los ou confiar”, diz.

Por isso, ter altas expectativas sobre o futuro também é um desafio para esses alunos. Entre aqueles entrevistados, 46% afirmam que os professores dizem que eles serão bons profissionais. No entanto, 10% dos jovens consideram que seus professores pensam que eles não têm futuro. O mesmo percentual afirma que os professores não se interessam por seu futuro. Segundo Abramovay, adultos carregam uma visão muito negativa sobre esses jovens e “a escola reproduz isso também”.

Dentre os estudante do sexo masculino da EJA, por exemplo, 74% já abandonaram a escola pelo menos uma vez, sendo que, desses, 49% saíram e voltaram a estudar mais de uma vez. O abandono acontece principalmente pela necessidade de se sustentar, mas até no ensino médio regular, quase 30% dos alunos já pararam de estudar pelo mesmo motivo.

Entre estudantes do sexo feminino, os números são mais baixos: uma em cada quatro alunas dentro das categorias de ensino da pesquisa já deixaram de estudar para trabalhar. No caso delas, gravidez e ter que trabalhar são mais mencionados como motivos para terem alguma vez deixado a escola. “A maior parte diz que vai continuar estudando. Eles querem ser alguém na vida, conciliar trabalho e estudo”, afirma Abramovay. Para os que estão no programa Projovem Urbano, a situação é vista como a última oportunidade para estudar.

Visão da sociedade 

Para os alunos entrevistados, o principal problema do país é a violência (20%). A pobreza aparece em segundo lugar (16%), seguida pela corrupção (15,7%). A qualidade da saúde é a quarta maior preocupação (12,3%). A qualidade educação aparece em quinto lugar, sendo mencionada 5,6% dos estudantes.

Outros números:

– 85% dos entrevistados são contra o aborto;
– 85,3% são contra a legalização das drogas;
– 52,5% são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo;
– 71,6% são favoráveis às cotas para negros e índios indígenas nas universidades públicas;
– 88,3% são favoráveis às cotas para egressos das escolas públicas nas universidades públicas;
– 70,6% são favoráveis à redução da maioridade penal para 16 anos;
– 67,6% são favoráveis à pena de morte em caso de crimes graves;
– 18,1% das alunas dos ensino médio, do EJA ou do Projovem Urbano já pararam de estudar por motivo de gravidez.


sábado, 16 de janeiro de 2016

OFICIAL: MEC anuncia reajuste do Piso do Magistério 2016 em 11,36%

Para 2016, a CNTE reitera a necessidade de os sindicatos promoverem amplo processo de mobilização para garantir a aplicação efetiva do reajuste do piso em todos os níveis dos planos de carreira.


Conforme havia sido informado na última reunião do Fórum permanente de acompanhamento e atualização do piso salarial nacional do magistério público da educação básica, instância composta por MEC, Consed, Undime e CNTE, o referido piso, em 2016, valerá R$ 2.135,64.

O reajuste deste ano foi definido novamente pelo critério estabelecido em Parecer da Advocacia Geral da União, de 2010, que leva em consideração a estimativa de crescimento percentual do valor mínimo do Fundeb, entre 2014 e 2015, extraídas das Portarias Interministeriais MEC/MF nº 8, de 5/11/15 e nº 19, de 27/12/13. Ambas podem ser consultadas no sítio eletrônico do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (http://www.fnde.gov.br).

Ao contrário de anos anteriores, em que o piso teve atualizações substanciais, em 2016, por consequência da inflação, o percentual de reajuste ficou próximo dos principais índices de reposição inflacionária (10,67% do IPCA e 11,27% do INPC). Ainda assim, pode-se dizer que houve ganho real.

Caso seja mantido o mesmo critério de reajuste em 2017, o percentual de atualização do piso deverá ser de 7,64%, com base no valor per capita do Fundeb estimado para 2016, à luz da Portaria Interministerial MEC/MF nº 11, de 30/12/15, que foi de R$ 2.739,87 (referente ao investimento mínimo per capita para os anos iniciais urbanos do ensino fundamental).

Diante desta perspectiva, e seguindo as discussões travadas em âmbito do Fórum de Acompanhamento do PSPN, com vistas a vincular os percentuais de reajuste do piso às receitas efetivas do Fundeb (e não propriamente ao custo aluno per capita), a CNTE chama a atenção da categoria para a necessidade desse debate garantir além da reposição inflacionária (coisa que o atual critério de reajuste não prevê), também ganhos reais com base no cumprimento da meta 17 do Plano Nacional de Educação.

Para 2016, a CNTE reitera a necessidade de os sindicatos promoverem amplo processo de mobilização para garantir a aplicação efetiva do reajuste do piso em todos os níveis dos planos de carreira. Isso porque, mesmo diante da crise fiscal, é preciso encontrar mecanismos para garantir a valorização dos profissionais da educação, sobretudo através de esforços na arrecadação dos tributos (sem promover isenções fiscais) e na aplicação das verbas conforme dispõe a legislação educacional, sem desvios ou desperdícios.

Aproveitamos, também, para reforçar a convocatória de nossos sindicatos e de toda sociedade para a Greve Nacional da Educação, a realizar-se entre 15 e 17 de março de 2016, momento em que a CNTE fará balanço nacional da aplicação do piso do magistério e das demais políticas públicas estabelecidas no PNE e nos planos subnacionais.