Especialistas defendem que os futuros profissionais de educação conheçam o funcionamento do cérebro para melhorar suas práticas e lidar com potencialidades e dificuldades dos alunos
por Marina Lopes 14 de janeiro de 2016
Falta de atenção, dificuldade para aprender e desmotivação são algumas situações frequentes que os professores se deparam quando estão na sala de aula. Se o desafio já costuma ser grande para educadores com anos de experiência, imagina para quem acabou de sair de um curso de pedagogia ou das demais licenciaturas. Como preparar os futuros educadores para lidar com esses desafios? A neurociência é um caminho.
Para a professora Leonor Guerra, do departamento de morfologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), compreender melhor o funcionamento do processo de aprendizagem ajuda avaliar estratégias pedagógicas que impactam na forma como os alunos aprendem. “Por que todo mundo não aprende igual? Isso tem a ver com a nossa biologia. Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação”, explica a médica e especialista em neuropsicologia.
Não é difícil encontrar cursos de formação continuada que já começaram a trabalhar noções de neurociência com educadores. No entanto, quando o assunto é formação inicial, esse campo de conhecimento ainda parece estar muito distante de boa parte das instituições de ensino superior. Segundo Guerra, muitos cursos ainda são resistentes a discutir as bases neurobiológicas. “A impressão que tenho é que eles acham que isso vai biologizar a questão da aprendizagem”, diz.
A neurocientista afirma que é importante compreender diferentes perspectivas sobre o processo de aprendizagem, sejam elas biológicas ou sociais. Na coordenação do projeto NeuroEduca, iniciativa de extensão da UFMG, ela ministra palestras e oficinas de formação que apresentam noções básicas de neurociência para educadores.
"Entender as limitações e o potencial de um aluno pode trazer uma contribuição boa para quem está começando sua vida na área da educação"
Embora o projeto tenha atuação principal na formação continuada, Guerra afirma já ter realizado atividades com os alunos de cursos de pedagogia. De acordo com ela, a matriz curricular de muitos cursos ainda não inclui esse tópico de forma sistematizada. “Se para a educação continuada está sendo importante, por que não inserimos na formação inicial do educador?”, questiona, ao mencionar que neste período o aluno da graduação pode construir suas concepções de aprendizagem e estabelecer relações entre conhecimentos da neurociência com a leitura de teóricos da educação.
Em São Paulo, o programa Cuca Legal também tem investido em trazer esses conhecimentos para a realidade de educadores. Coordenado pela neuropsicóloga Adriana Fóz, o projeto é composto por uma equipe interdisciplinar da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que promove cursos, estratégias e programas educacionais que desenvolvem atividades sobre o funcionamento do cérebro e o desenvolvimento socioemocional dos alunos.
Para a neuropsicóloga, a neurociência pode ser uma grande aliada para o trabalho do professor, principalmente quando ele tem contato com esse conhecimento desde o período da sua formação. “O professor ter o conhecimento e o aval dessa ciência vai nortear bastante o trabalho dele. Vai ser interessante porque vai poder corroborar com aquilo que ele já sabe por intuição ou experiência”, afirma Foz. Durante as formações de educação emocional, por exemplo, os educadores são estimulados a perceber importância que as emoções exercem sobre o processo educacional, principalmente a emoção transmitida pelo próprio educador. “Quando eles nos perguntam de onde vem a emoção, começamos a introduzir as questões da neurociência.”
Da universidade para a escola
Na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), em Minas Gerais, uma experiência que envolve conhecimentos de neurociência tem aproximado alunos da graduação de escolas de educação básica da região. A partir de estudos sobre o funcionamento do cérebro e o processo de aprendizagem, universitários visitam escolas vizinhas para fazer o acompanhamento de crianças com deficiência.
Após fazerem observações sobre o desenvolvimento e a participação dos estudantes, eles levam as anotações para discutir na universidade. Com base em pesquisas, conhecimentos da neurociência e estudos sobre os casos, os futuros educadores propõem intervenções que o professor da educação básica poderia colocar em prática para auxiliar o seu aluno, como perceber quais são as maiores dificuldades da criança e valorizar atividades que estimulam os seus principais potenciais.
"Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira"
“Os conhecimentos da neurociência têm se mostrado muito importantes para o campo da educação. Eles não resolvem o problema, assim como qualquer outro conhecimento, mas ajudam a pensar educação de outra maneira. A neurociência traz a possiblidade de entender como o cérebro reage na interação com o ambiente. Para nós, que trabalhamos com aprendizagem, isso faz toda a diferença”, conta o professor Marco Antonio Melo Franco, idealizador e coordenador do projeto.
O projeto, que hoje está inserido na modalidade de extensão, começou a ser desenvolvido em 2012. Segundo Franco, a experiência já tem apresentado bons resultados, que incluem maior aproximação dos universitários com a realidade da sala de aula e mudanças de postura dos professores da educação básica. “No momento em que eles entendem como a criança está pensando e quais são os processos que ela desenvolve enquanto se relaciona com os conhecimentos escolares, ele pode reelaborar metodologias para lidar melhor com esses alunos”, exemplifica.
De acordo com o professor, a UFOP tem passado por período de reforma no seu currículo de pedagogia. A proposta é que a nova matriz trate da aprendizagem como um elemento central. Além disso, também existe a possibilidade de incorporar uma disciplina eletiva de neurociência e educação. “Estão surgindo novas possiblidades de atuação pedagógica que levam em conta o funcionamento do cérebro, mas eu acho que nós ainda temos um longo caminho para percorrer no diálogo entre a neurociência e educação.”
Fonte: Portal Porvir
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