terça-feira, 23 de junho de 2015

Manifesto pela igualdade de gênero na educação


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Temos visto explodir Brasil afora a discussão sobre a possibilidade de se incluir a perspectiva de gênero na educação (escrevi recentemente sobre o PME de São Paulo). Os argumentos contrários à implementação desses elementos na formação de docentes são extremamente simplistas e levianos: “gênero” anularia “identidades” de meninos e meninas e passaria “por cima” dos valores familiares. Nada pode ser mais falso.
Reproduzo abaixo um manifesto de grupos de pesquisa em defesa da igualdade de gênero na educação. Como diz o texto, “falar em uma educação que promova a igualdade de gênero não significa anular as diferenças percebidas entre as pessoas (o que tem sido amplamente distorcido no debate público), mas garantir um espaço democrático onde tais diferenças não se desdobrem em desigualdades”.
A desigualdade de gênero existe, minha gente. E ela se materializa em nosso cotidiano. Ou as mulheres não são as principais responsáveis por limpar as casas e são assassinadas principalmente por maridos, ex e atuais? E os gays não vivem com medo de demonstrarem seu afeto nas ruas? E não temos casos e mais casos de execução de trans?
Não discutir e não perceber as relações de gênero nos corredores escolares, que são um microcosmos da nossa sociedade, é sermos coniventes com a manutenção dessa violência. E sim, essa também é a violência que atira a pedra na menina candomblecista. Trata-se da mesma intolerância com o/a/x outrx. São algumas pessoas que querem impedir que outrxs tenham suas crenças e individualidades, e não quem estuda gênero e diversidades.

Manifesto pela igualdade de gênero na educação: 
por uma escola democrática, inclusiva e sem censuras
Enquanto grupos de pesquisas, instituições científicas e de promoção de direitos civis, as instituições abaixo assinadas vêm a público manifestar repúdio à forma deliberadamente distorcida que o conceito de gênero tem sido tratado nas discussões públicas e denunciar a tentativa de grupos conservadores de instaurar um pânico social, banir a noção de “igualdade de gênero” do debate educacional e reificar as desigualdades e violências sofridas por homens e mulheres no espaço escolar.

Signatário dos principais documentos internacionais de promoção da igualdade (como a Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Campanha pela igualdade e direitos de população LGBT da ONU), o Brasil acompanhou a institucionalização dos estudos de gênero enquanto um profícuo campo científico nas últimas décadas e conta hoje com centros de pesquisas interdisciplinares reconhecidos internacionalmente. As discussões de gênero ganharam legitimidade científica nas maiores universidades brasileiras a partir dos anos 1970 e, desde então, têm norteado políticas públicas para garantia de igualdades constitucionais.

Ao contrário de “ideologias” ou “doutrinas” sustentadas pela fundamentação de crenças ou fé, o conceito de gênero está baseado em parâmetros científicos de produção de saberes sobre o mundo. Gênero, enquanto um conceito, identifica processos históricos e culturais que classificam e posicionam as pessoas a partir de uma relação sobre o que é entendido como feminino e masculino. É um operador que cria sentido para as diferenças percebidas em nossos corpos e articula pessoas, emoções, práticas e coisas dentro de uma estrutura de poder. E é, nesse sentido, que o conceito de gênero tem sido historicamente útil para que muitas pesquisas consigam identificar mecanismos de reprodução de desigualdades no contexto escolar.

Embora a Constituição Federal Brasileira de 1988 garanta, em seu Artigo 6º, que a Educação é um direito irrevogável de todas e todos e assegure a igualdade de condições para acesso e permanência escolar, pesquisas mostram que esse direito é constantemente violado a partir das estruturas hierárquicas de gênero. Um exemplo de como a desigualdade de gênero se correlaciona com a educação tem sido visto em pesquisas que identificam o “fracasso” e as altas taxas de evasão escolar dos meninos como consequência dos referenciais de masculinidades difundidos socialmente. Uma identidade masculina baseada na agressividade e na indisciplina tem cada vez mais afastado os meninos dos bancos escolares (37,9% deles segundo dados do IBGE em 2011), negando-lhes seu direito à educação e reproduzindo uma cultura da violência. Professoras são vítimas de agressões em sala de aula, meninas são estupradas por seus colegas de turma e meninos são afastados das escolas neste ciclo de desigualdade perpetuado por noções hierarquizadas do que é ser homem ou mulher. Também são notáveis, por outro lado, as pesquisas que mostram o quanto a discriminação de gênero contra as pessoas que fogem dos padrões socialmente estabelecidos de identidade ou sexualidade tem desencadeado processos institucionalizados de discriminação, agressões e exclusão escolar: as violências contra gays, lésbicas, bissexuais, travestis, mulheres transexuais e homens trans excluem essa população do direito constitucional à educação e contribuem para as estatísticas que fazem do Brasil um dos países mais inseguros para pessoas LGBT (conforme demonstra o relatório do Grupo Gay da Bahia de 2012 e o relatório de violência homofóbica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República).

Quando se reivindica, então, a noção de “igualdade de gênero” na educação, a demanda é por um sistema escolar inclusivo, que crie ações específicas de combate às discriminações e que não contribua para a reprodução das desigualdades que persistem em nossa sociedade. Falar em uma educação que promova a igualdade de gênero, entretanto, não significa anular as diferenças percebidas entre as pessoas (o que tem sido amplamente distorcido no debate público), mas garantir um espaço democrático onde tais diferenças não se desdobrem em desigualdades. Exigimos que o direito à educação seja garantido a qualquer cidadã ou cidadão brasileira/o e, para isso, políticas de combate às desigualdades de gênero precisam ser implementadas.

Além disso, é preciso ainda ressaltar que, acima das negociações legislativas locais, a Constituição Nacional Brasileira de 1988 estabelece também que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e o ensino deve estar baseado no princípio de liberdade de divulgação do pensamento e do pluralismo de ideias. Assim, não cabe às esferas locais de decisão realizar ocultamentos, censuras ou proibições de discussões reconhecidas no campo científico e, muito menos, a imposição de uma visão de mundo delimitadora nos currículos escolares. Em defesa do pluralismo de saberes e do reconhecimento do campo científico nacional e internacional, defendemos que é um direito fundamental das/os estudantes brasileiras/os o acesso aos conhecimentos e pesquisas produzidos pelos estudos interdisciplinares sobre o conceito de gênero. Nossa defesa é por uma educação democrática, inclusiva e, também, que repudie qualquer forma de censura.

Assinam:

ABA – Associação Brasileira de Antropologia
ABEH Associação Brasileira de Estudos da Homocultura
CEM – Centro de Estudos da Metrópole – USP e CEBRAP/São Paulo
Centro Acadêmico de Serviço Social – UNIOESTE/Paraná
CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos – UERJ/ Rio de Janeiro
Colegiado do Curso de Ciências Sociais da UNIOESTE – Campus de Toledo/ Paraná
Coletivo ASA – Artes, Saberes e Antropologia – USP/São Paulo
Coletivo Feminista Filhas da Luta – UNIPAMPA/ Rio Grande do Sul
Comissão da Diversidade Sexual e Combate a Homofobia da OAB/ São Paulo
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Diversidade Sexual da OAB/ Paraná
Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB/ Paraná
COMTER – Núcleo de estudos sobre memória e conflitos territoriais – UFC / Ceará
Conselho Regional de Psicologia da 3ª Região Bahia
Curso Técnico em segurança do Trabalho do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – IFMG (Unidade Remota, Ijací) / Minas Gerais
CUS – Grupo de Pesquisa em Cultura e Sexualidade – UFBA/ Bahia
Demodê – Grupo de Pesquisas sobre Democracia e Desigualdades UnB/ Distrito Federal
Diversiones – Direitos humanos, poder e cultura em gênero e sexualidade – UFPE/ Pernambuco
Edges – Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual – USP/ São Paulo
Enlace – UNEB/Bahia
FAGES – Núcleo de Família Gênero e Sexualidade – UFPE/ Pernambuco
Focus – Grupo de Pesquisa sobre Educação, Instituições e Desigualdades – UNICAMP/São Paulo
GEERGE – Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero – UFRGS/ Rio Grande do Sul
GEMA – Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidade – UFPE/ Pernambuco
Gênero, Corporalidades, Direitos Humanos e Políticas Públicas – UEL/ Paraná
Geni – Grupo de Estudos em Gênero, Sexualidade e Interseccionalidades – UERJ/ Rio de Janeiro
GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas “Eneida de Moraes” – UFPA/ Pará
GEPS – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Sexualidades – UNESP/ São Paulo
GERA – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais – UFPA/ Pará
GESECS -Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidades e Interseccionalidades – UFAM/ Amazonas
GETEPOL – Grupo Estudos em Teoria Política – UEL/Paraná
GIV – Grupo de Incentivo à Vida/ São Paulo
GPLutas – Grupo de Pesquisa Marxismo, Direito e Lutas Sociais – UFPB/ Paraíba
Grepo – Grupo de Estudos Gênero, Religião e Política
GRUPESC -Grupo de Pesquisa Saúde, Sociedade e Cultura – UFPB/ Paraíba
Grupo Arco-íris de Cidadania LGBT/Rio de Janeiro
Grupo de estudos “Campo educacional e o estudo das categorias interseccionais” / Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos , Bioética e Educação – UFF/ Rio de Janeiro
Grupo de Estudos e Pesquisa em Gênero e Sexualidades – UESB/ Bahia
Grupo de Estudos em Saúde Coletiva, Educação e Relações de Gênero -EACH -USP/ São Paulo
Grupo de Estudos Gênero, Direitos Humanos, Raça/Etnia – Fundação Carlos Chagas
Grupo de pesquisa “Legado intelectual e produção literária de autoria feminina na América Latina” – UEL/Paraná
Grupo de Pesquisa (R)existências e metaquestões dos marcadores de diferença – UEL/Paraná
Grupo de pesquisa Cidade, Aldeia e Patrimônio – UFPA / Pará
Grupo de Pesquisa e Intervenção Violência e gênero nas práticas de saúde – FMUSP/ São Paulo
Grupo de Pesquisa em Sexualidade, Entretenimento e Corpo – UFSCar/ São Paulo
Grupo de Pesquisa Fundamentos do Serviço Social: Trabalho e “Questão Social” – UNIOESTE/ Paraná
Grupo de pesquisa- Gênero, Políticas Públicas Família – UEL/ Paraná
Grupo de Pesquisa Saúde, Sexualidade e Direitos Humanos da População LGBT – FCMSCSP/ São Paulo
Grupo de Pesquisa Representação, Imaginário e Educação – UFF/ Rio de Janeiro
Grupo de Pesquisas “Trilhas do empoderamento de Mulheres” / NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a mulher – UFBA/ Bahia
Grupo Humanidades e Saúde Coletiva – FMUSP/ São Paulo
Grupo Transas do Corpo – Ações Educativas em Gênero, Saúde e Sexualidade
Impróprias – Grupo de pesquisa em gênero, sexualidade e diferenças – UFMS/ Mato Grosso do Sul
Instituto de Estudos de Gênero – UFSC/ Santa Catarina
Instituto Patrícia Galvão-Mídia e Direitos / São Paulo
Laboratório de Estudos de História – UFSC/ Santa Catarina
Laboratório de Experimentações Etnográficas – UFSCar/ São Paulo
Laboratório de Relações de Gênero e Família do Centro de Ciências Humanas e da Educação – UDESC/ Santa Catarina
Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana – USP/ São Paulo
Laboratório Genposs – Gênero, Serviços Sociais, e Política Social – UnB / Distrito Federal
Laboratório Interdisciplinar de Ciências Humanas, Sociais e Saúde – Unifesp/ São Paulo
LAPEE – Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional – UFSC/ Santa Catarina
LAPPEL – Laboratório de pesquisa em psicanálise, epistemologia e linguagem – UFMS/ Mato Grosso do Sul
LEFAM – Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade – USP/ São Paulo
LIDIS – Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos da UERJ
Mandacaru – Núcleo de Pesquisas em Gênero, Saúde e Direitos Humanos – UFAL/ Alagoas
NaMargem – Núcleo de Pesquisas Urbanas – UFSCar/São Paulo
NEIM – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher – UFBA/ Bahia
NEPAIDS – Núcleo de Estudos para a Prevenção da AIDS – USP/ São Paulo
NEPJI – Núcleo de estudos e pesquisas sobre Juventude, Cultura, Identidade e Cidadania – UCSal/ Bahia
NEPTA – Núcleo de Estudos de Políticas Territoriais na Amazônia -UFAM/ Amazonas
NIGS – Núcleo de Gênero e Subjetividade – UFSC/ Santa Catarina
Nós do Sul: Laboratório de Estudos e Pesquisas Sobre Currículo – FURG/ Rio Grande do Sul
Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT – UFMG/ Minas Gerais
Núcleo de Estudos de Gênero – UFPR/ Paraná
Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero – UFRJ/ Rio de Janeiro
Núcleo de Estudos Heleieth Saffioti – UNIFESP/ São Paulo
Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos – UFT/ Tocantins
Núcleo de Pesquisa Gênero Corpo Sexualidade – UFRN/ Rio Grande do Norte
Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Núcleo Margens: modos de vida, família e relações de gênero – UFSC/ Santa Catarina
NUDISEX – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual – UEM/Paraná
NUMAS – Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença da USP/ São Paulo
NUPSEX – Núcleo de Pesquisa em Sexualidade e Relações de Gênero – UFRGS/ Rio Grande do Sul
NuSEX – Núcleo de estudos em Corpos, Genero e Sexualidades – Museu Nacional/ Rio de Janeiro
NUSS – Núcleo de Pesquisas sobre Sexualidade, Gênero e Subjetividade – UFC/ Ceará
Observatório da Violência de Gênero no Amazonas – UfAM/ Amazonas
OPEM – Grupo de Pesquisa Observatório de Pesquisas e Estudos Multidisciplinares – UEPB/ Paraíba
Pagu – Núcleo de Estudos de Gênero – Unicamp/ São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – ONIOESTE (Campus de Toledo)/ Paraná
Quereres – Núcleo de Pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade – UFSCar/ São Paulo
RIZOMA – UEFS/ Bahia
RUMA – Grupo População, família e migração na Amazônia – UFPA/Pará
SEXGEN – Grupo de Pesquisa Corpo, Gênero e Sexualidade – UFPA/ Pará
Sociedade Brasileira de Sociologia



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